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    postado em 09/05/2025 10:37

    Diferentemente da população brasileira como um todo, em que a maioria das pessoas vive em áreas urbanas, a população quilombola habita majoritariamente regiões rurais: de cada dez quilombolas, seis vivem no campo. 

    A constatação faz parte de mais um suplemento do Censo 2022, divulgado nesta sexta-feira (9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Do total de 203 milhões de brasileiros contabilizados pelo Censo 2022, apenas 12,6% moravam em áreas rurais. Já entre os 1,3 milhão de quilombolas, 61,71% viviam no campo. Isso representa 820,9 mil pessoas. Pouco mais de 509 mil (38,29%) moravam nas cidades.

    O Censo 2022 é o primeiro em que o IBGE coleta informações específicas da população quilombola, de forma que não é possível fazer comparativos para saber se a proporção de quilombolas no campo tem aumentado, diminuído ou ficado estável ao longo do tempo.

    O instituto já havia divulgado dados sobre a quantidade de quilombolas brasileiros e condições socioeconômicas, tais como pior acesso ao saneamento. 

    A novidade desta divulgação é o retrato que separa a população quilombola em áreas urbanas e rurais. De acordo com o gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco, o resultado foi uma “descoberta”.

    “É um fator absolutamente novo, em termos de composição de grupos étnicos. A gente não vê isso se repetir em nenhum outro grupo. Os indígenas hoje têm a maior parte da população em contexto urbano”, afirma.

    Raízes históricas

    Quilombolas são descendentes de habitantes dos quilombos, comunidades que resistiam à escravidão. Para classificar uma pessoa como quilombola, o IBGE levou em consideração a autoidentificação dos questionados, não importando a cor de pele declarada.

    A coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais, Marta Antunes, acrescenta que a presença maior dessa população em áreas rurais é um fator de raízes históricas.

    “Tem a ver com o histórico da ocupação pela escravização e de como foi essa resistência organizada ao longo dos séculos”, disse.

    Fernando Damasco ressalta a identificação das comunidades quilombolas com a questão rural.

    “Na própria constituição do movimento social quilombola, a própria vinculação identitária associada a comunidades de ancestralidade negra, associada à opressão histórica sofrida, está profundamente vinculada à área rural”, pontua.

    Regiões e estados

    O IBGE identificou que as regiões Norte e Nordeste apresentam proporção de quilombolas em áreas rurais superior à média nacional:

    • Brasil: 61,71%
    • Norte: 63,40%
    • Nordeste: 65,01%
    • Centro-Oeste: 31,96%
    • Sudeste: 47,68%
    • Sul: 45,62%

    Entre as unidades da federação, as maiores proporções são:

    • Piauí: 87,87%
    • Amazonas: 84,92%
    • Maranhão: 79,74%

    Na outra ponta figuram:

    • Distrito Federal: 2,95%
    • Rondônia: 18,39%
    • Goiás: 27,03%
    • Rio de Janeiro: 27,28%

    Acre e Roraima não registram localidade quilombola, seja urbana ou rural.

    Territórios delimitados

    O censo traz também dados de população quilombola que vive em território oficialmente delimitado. Nessas localidades reconhecidas, 87,97% vivem em área rural. Já fora dos territórios delimitados, 58,01% estão no campo.

    População e alfabetização

    O suplemento do Censo mostra ainda que a população quilombola, seja em área rural ou urbana, é mais jovem que a população geral do país. 

    A mediana – número que separa a metade mais jovem da metade mais velha da população – do país é 35 anos. Já a dos quilombolas é de 31 anos, sendo 32 para os que vivem na cidade e 29 para os que moram no campo.

    O IBGE já havia relevado que os quilombolas enfrentam mais o analfabetismo que a população como um todo. O novo levantamento aprofunda a análise com dados relativos a campo e cidade. 

    Assim como na média do país a taxa de analfabetismo no campo (18,16% da população) é maior que na cidade (5,44%), entre os quilombolas o padrão se repete: 22,71% na área rural e 13,28% na urbana.

    Para chegar à taxa de analfabetismo, o instituto calculou a proporção de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples.

    Moradia

    Ao contar quantas pessoas moram nos domicílios, foi possível identificar que a média de moradores em lares com ao menos uma pessoa quilombola é maior que a da população brasileira.

    No Brasil, a média é de 2,79 morador por lar, variando de 2,76 em área urbana a 2,99 em rural. Já entre os quilombolas, a média é de 3,17, sendo 3,07 na cidade e 3,25 no campo.

    Os pesquisadores identificaram também que na população brasileira que vive no campo, 4,26% dos moradores não tinham banheiro nem sanitário. 

    Em se tratando de quilombolas que viviam em área rural, esse percentual subia para 6,36%. A situação era pior ainda para os moradores de áreas rurais especificamente dentro de territórios quilombolas delimitados, chegando a 7,03%.

    Precariedade no saneamento

    Os pesquisadores buscaram informações dos domicílios de acordo com as condições de abastecimento de água, destinação de esgoto e coleta de lixo.

    Enquanto nas cidades brasileiras, 18,71% dos habitantes moram em domicílio com alguma forma de precariedade, essa proporção salta para 53,61% entre os quilombolas que vivem em áreas urbanas.

    Já em relação à vida em área rural, a precariedade em domicílios atinge 87,20% da população brasileira e 94,62% dos quilombolas.

    Foram considerados elementos de precariedade no saneamento: ausência de abastecimento de água canalizada até o domicílio proveniente de rede geral, poço, fonte, nascente ou mina; ou ausência de destinação do esgoto para rede geral, pluvial ou fossa séptica; ou ausência de coleta direta ou indireta por serviço de limpeza.

    A pesquisa destaca que em relação ao acesso à água em áreas urbanas, a precariedade é quase quatro vezes maior entre a população quilombola (9,21%) que entre a população brasileira como um todo (2,72%). No campo essa diferença é 43,48% (quilombolas) contra 29,35% (média Brasil).

    De acordo com a coordenadora Marta Antunes, diferenciar as condições de quilombolas entre áreas rurais e urbanas permite direcionar melhor políticas públicas para essas populações.

    “A importância de separar urbano e rural, tanto para água quanto para esgotamento, tem a ver também com as soluções de infraestrutura diferenciadas em relação ao suprimento desses serviços e que são diferenciadas entre o rural e urbano”, aponta.

    Políticas públicas

    O gerente do IBGE Fernando Damasco enfatiza que políticas públicas para quilombolas têm que levar em consideração que é uma população "totalmente específica", por ser majoritariamente rural, mas com grande contingente urbano.

    "Pensar a ação pública, pensar efetivamente soluções para os problemas que afetam essa população, significa dialogar com a realidade do mundo rural", afirma.

    "Eu [Estado] vou priorizar a política de crédito agrícola, habitação rural, saneamento rural, escolarização rural", sugere.

    "Ao mesmo tempo, não posso deixar de considerar que tenho pouco mais de três a cada dez quilombolas nas cidades. Isso implica também em políticas públicas urbanas para essa população, política de habitação, de acesso à renda, a emprego na cidade e por aí vai", complementa.

    O pesquisador indica ainda que é preciso aprofundar estudos sobre a mobilidade da população quilombola, como migração para áreas urbanas em busca de oportunidades de escolarização e renda, e transformações espaciais.

    "Os territórios rurais que, muitas vezes, estão nas franjas das grandes cidades, com o avanço da urbanização, acabam se vendo engolidos pela situação urbana", aponta.

    “São dinâmicas que ocorrem, que afetam essa população e que são características e que precisam ser aprofundadas”, sugere Damasco.

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